14/10/2010

da perfeição

Eu sempre fui muito crítica comigo mesma. Quem me conhece sabe que uma pequena falha me incomoda muito mais do que todos os meus sucessos juntos possam um dia vir a me alegrar. Vai ver que foi o jeito como eu fui criada, vai ver que fui eu que só ouvi as coisas ruins o tempo todo, isso é assunto pra minha psi, mas o fato é que eu sempre achei que tinha que ser perfeita e sempre sofri muito por (obviamente) estar muito longe disso.

Aí um dia eu tive uma filha perfeita. Muito mais perfeita do que eu achava que ela seria. Ela era loira, fofa, linda. Ainda é. Ok, não é mais tão loira, mas é muito mais inteligente e talentosa e afinada do que quando ela nasceu. E ainda tem os maiores e mais volumosos cílios que eu já vi. Mesmo assim eu procurei, a vida dela inteira, cultivar valores diferentes desses que me fizeram tanto sofrer. Sempre fui muito compreensiva com tudo, sempre aceitei e entendi todas as dificuldades e diferenças, procurei como uma louca uma escola que respeitasse as individualidades de cada criança, coisa difícil nesse mundo "vestibular no maternal" em que a gente vive. Mas mesmo assim toda essa perfeição de Júlia me fez ter muito orgulho dela, e por muito tempo tive grande satisfação em tirar as fotos mais engraçadas, mostrar pra todo mundo as tiradas geniais que ela falava, cultivei, mesmo, um exibicionismo que, vai, é natural aos pais corujas.

Então veio o Matias. Que, a gente já sabe, não nasceu perfeito. Mas conserta daqui, conserta dali, ele visualmente tem algumas coisas que chamam um pouco a (minha?) atenção. Ele não é um bebê que você olhe e diga "esse menino tem um problema no coração". Mas ele é diferente. Por exemplo, ele é magrelinho. Não é magrelinho de ser apontado como "que menino magrelo", mas é magrelinho de receber vários "nossa, que bebê comprido". E veja, ele não tem uma estatura maior do que o normal, pelo contrário, pelas famigeradas curvas, ele ainda está um tiquinho abaixo da média. Mas o peso dele ainda é um pouco baixo, e ninguém está acostumado com um bebê que não seja minimamente rechonchudo. Ele também tem leves atrasos no desenvolvimento motor. Ok, a pediatra dele, que é especialista em desenvolvimento, nos deixou muito tranquilos quanto a isso, e disse que eu nem podia chamar de atraso, porque essa palavra só é usada quando os bebês demoram mais de três meses pra fazer determinada coisa. Mas ele tem suas limitações, compatíveis com a vida sofridinha que ele teve lá no comecinho.

O que eu acho que vai acontecer (e que também espero um tanto desesperadamente que aconteça) é que ele vai precisar mesmo de mais tempo, e que quando ele tiver uns, sei lá, tô chutando, dois, três anos, ou sete ou oito, ou onze ou doze, ele vai ser confundido de igual pra igual com os amiguinhos, mesmo que seja mais magrelinho ou que não corra tão rápido quanto eles.

Mas olha, se tem uma coisa que eu captei bem nisso tudo é que essa é escancaradamente uma das coisas que eu preciso aprender com urgência. Que eu não vou poder ter com ele a mesma exigência que eu tenho comigo ou até mesmo com a Júlia. Que eu vou ter que, ao mesmo tempo que lutando pra que ele sempre seja o melhor que ele pode ser, aceitar que dessa vez o diferente e o individual está bem mais escancarado do que nos pequenos (ou grandes) problemas cotidianos que existem na vida de todos os pais-e-filhos que não lidam com problemas de saúde. Vou ter que reformular completamente o conceito de filho perfeito e de expectativa que vem ali adjacente à maternidade e à paternidade. O que na verdade é uma coisa que toda mãe e todo pai devia procurar fazer, pelo bem do seu filho. Talvez o Matias seja uma pessoa bem mais feliz do que eu, por exemplo, que sempre me aceitei tão pouco. E é isso que eu preciso fazer ele entender, agora, que ele não só é muito amado, mas também que ele é profundamente respeitado, assim, do jeitinho que ele é.

05/10/2010

alô você, profissional de saúde

Semana passada levei o Matias pra colher sangue, lá no centro diagnóstico daquele hospital badalado de rico. Já tínhamos feito outros exames lá, de RaioX e Ecocardiograma, e sempre fomos muito bem tratados, sempre estava vazio e certa feita a médica do Eco até adiantou o nosso horário pois estávamos adiantados.

Sei que entramos, eu e Matias, pra coleta. Veio uma funcionária (e nesse ponto não sei quem é enfermeira, auxiliar, coletora). Ela pediu pra deixar ele deitado e me explicou como ia ser feito o procedimento. Nessa hora ela viu a cicatriz do Matias, porque eu queria saber se ia ser preciso (ou se seria mais fácil pra ela) se ele estivesse sem a blusa. Aí ela perguntou se ele tinha feito cirurgia, e eu respondi afirmativamente. Até aí tudo ok.

Eis que chega uma segunda pessoa pra ajudar. Aí elas começam a segurar ele, coisa e tal, e prontamente aquela funcionária número um vira pra outra e fala "ele já fez cirurgia cardíaca, já sabe o que é isso'.

Respira.

Chega terceira pessoa. Segura as pernas dele, enquanto a segunda segura o braço em questão e a primeira colhe efetivamente o sangue. Acaba processo. Ok, Obrigada, vou saindo com ele no braço, e funcionária número dois fofoca pra número três "ele já fez cirurgia cardíaca, tadinho".

Aí eu não aguentei. Essa informação não tinha nenhuma relevância pro atendimento, muito menos na hora em que já tinha tudo acabado. O que essas pessoas têm na cabeça? Não sabem que esse tipo de comentário é FODA pra uma mãe que convive diariamente com a dor de ter um filho cardiopata? E essa fortuna que as pessoas pagam pra usar esse lugar, será que não paga um treinamento pros funcionários terem um mínimo de educação e bom senso ao antenderem pessoas que obviamente estão em situação delicada?

Escrevi pra lá. Desci a lenha. Não é possível uma coisa dessas. Aí dois dias depois a supervisora me ligou pra pedir desculpas. Disse que não foi a intenção. Expliquei tudo dois mais dois e pedi que por favor fosse repensado aí esse atendimento.

O mais triste é que sei que só me responderam porque foi nesse lugar caro. Imagino num hospital público o que é que você não tem que escutar e não tem nem com quem reclamar.

Minha sugestão? Reclame assim mesmo. Talvez seja preciso explicar dois mais dois também, desenhar uma situação ideal de respeito ao paciente e familiares. Mas não se pode guardar esse tipo de coisa, já tem sofrimento demais do lado de dentro da gente.

Isso porque eu nem comecei ainda a contar os horrores da época da internação.

Ufa.