08/12/2010

opa!

estamos todos bem, inclusive o matias.

tá difícil escrever aqui porque o trabalho parece que vai aumentando. agora estamos no momento comidinhas, que tá um pouco complicado. eu penso que, como ele demorou mais de um mês pra vir pro peito, deve ter um pouco de medo de sair dele, mesmo que só em algumas refeições. sei lá se ele não pensa que vai voltar pro tubo. tem todo um funcionamento do juizinho dele que é diferente dos outros bebês e que por algum motivo é tão difícil de arrumar alguém que entenda isso. as coisas com ele não podem ser abordadas da mesma maneira dos outros bebês. mas ninguém sabe como fazer.

fato é que tô exausta. ter que fazer comida, passar horas tentando dar a comida e depois ainda dar o peito me consome. juntando isso a aparente impossibilidade de se achar uma babá nesse planeta. achava que talvez outra pessoa conseguisse fazê-lo comer, já que comigo, além de toda a preocupação, bem, eu tenho o peito, né. mas não foi assim. então vamos procurando.

o que apertou meu coração esses dias é que no começo do ano ele vai ter que fazer outro cateterismo. que é por um bom motivo, aparentemente ele vai conseguir viver sem a válvula e esse cat vai examinar e, se for o caso, fazer isso. mas eu entro em pânico em vê-lo daquele jeito de novo. sedado, entubado, monitorado.

pra falar a verdade, desde quando ele começou a melhorar eu penso nisso. antes dos primeiros procedimentos eu não tinha ideia do que ia acontecer. não sabia a dificuldade. nem imaginava que ia passar pela metade do que passei. não sabia o que era um pós-operatório cardíaco. e, apesar de toda a gravidez e todo amor incondicional que se sente por um filho, não tinha tido tempo de me apegar.

agora é tudo diferente. agora existe todo um amor construído, e que nem é só meu, é de tantas outras pessoas que convivem com ele e se apaixonaram pelo menino feliz e sapeca que ele é. o que eu espero é que, se ele se saiu bem ali tão pequenininho e sem ainda conhecer ninguém, só minha barriga, que agora ele tenha muito mais força pra passar pelo que ele vai ter que passar.

acho que antes ele só sentia, mas que agora ele sabe com certeza que o nosso amor por ele mais o amor todo que ele sente ali naquele coraçãozinho peculiar dele, isso é suficiente pra superar qualquer coisa.

14/10/2010

da perfeição

Eu sempre fui muito crítica comigo mesma. Quem me conhece sabe que uma pequena falha me incomoda muito mais do que todos os meus sucessos juntos possam um dia vir a me alegrar. Vai ver que foi o jeito como eu fui criada, vai ver que fui eu que só ouvi as coisas ruins o tempo todo, isso é assunto pra minha psi, mas o fato é que eu sempre achei que tinha que ser perfeita e sempre sofri muito por (obviamente) estar muito longe disso.

Aí um dia eu tive uma filha perfeita. Muito mais perfeita do que eu achava que ela seria. Ela era loira, fofa, linda. Ainda é. Ok, não é mais tão loira, mas é muito mais inteligente e talentosa e afinada do que quando ela nasceu. E ainda tem os maiores e mais volumosos cílios que eu já vi. Mesmo assim eu procurei, a vida dela inteira, cultivar valores diferentes desses que me fizeram tanto sofrer. Sempre fui muito compreensiva com tudo, sempre aceitei e entendi todas as dificuldades e diferenças, procurei como uma louca uma escola que respeitasse as individualidades de cada criança, coisa difícil nesse mundo "vestibular no maternal" em que a gente vive. Mas mesmo assim toda essa perfeição de Júlia me fez ter muito orgulho dela, e por muito tempo tive grande satisfação em tirar as fotos mais engraçadas, mostrar pra todo mundo as tiradas geniais que ela falava, cultivei, mesmo, um exibicionismo que, vai, é natural aos pais corujas.

Então veio o Matias. Que, a gente já sabe, não nasceu perfeito. Mas conserta daqui, conserta dali, ele visualmente tem algumas coisas que chamam um pouco a (minha?) atenção. Ele não é um bebê que você olhe e diga "esse menino tem um problema no coração". Mas ele é diferente. Por exemplo, ele é magrelinho. Não é magrelinho de ser apontado como "que menino magrelo", mas é magrelinho de receber vários "nossa, que bebê comprido". E veja, ele não tem uma estatura maior do que o normal, pelo contrário, pelas famigeradas curvas, ele ainda está um tiquinho abaixo da média. Mas o peso dele ainda é um pouco baixo, e ninguém está acostumado com um bebê que não seja minimamente rechonchudo. Ele também tem leves atrasos no desenvolvimento motor. Ok, a pediatra dele, que é especialista em desenvolvimento, nos deixou muito tranquilos quanto a isso, e disse que eu nem podia chamar de atraso, porque essa palavra só é usada quando os bebês demoram mais de três meses pra fazer determinada coisa. Mas ele tem suas limitações, compatíveis com a vida sofridinha que ele teve lá no comecinho.

O que eu acho que vai acontecer (e que também espero um tanto desesperadamente que aconteça) é que ele vai precisar mesmo de mais tempo, e que quando ele tiver uns, sei lá, tô chutando, dois, três anos, ou sete ou oito, ou onze ou doze, ele vai ser confundido de igual pra igual com os amiguinhos, mesmo que seja mais magrelinho ou que não corra tão rápido quanto eles.

Mas olha, se tem uma coisa que eu captei bem nisso tudo é que essa é escancaradamente uma das coisas que eu preciso aprender com urgência. Que eu não vou poder ter com ele a mesma exigência que eu tenho comigo ou até mesmo com a Júlia. Que eu vou ter que, ao mesmo tempo que lutando pra que ele sempre seja o melhor que ele pode ser, aceitar que dessa vez o diferente e o individual está bem mais escancarado do que nos pequenos (ou grandes) problemas cotidianos que existem na vida de todos os pais-e-filhos que não lidam com problemas de saúde. Vou ter que reformular completamente o conceito de filho perfeito e de expectativa que vem ali adjacente à maternidade e à paternidade. O que na verdade é uma coisa que toda mãe e todo pai devia procurar fazer, pelo bem do seu filho. Talvez o Matias seja uma pessoa bem mais feliz do que eu, por exemplo, que sempre me aceitei tão pouco. E é isso que eu preciso fazer ele entender, agora, que ele não só é muito amado, mas também que ele é profundamente respeitado, assim, do jeitinho que ele é.

05/10/2010

alô você, profissional de saúde

Semana passada levei o Matias pra colher sangue, lá no centro diagnóstico daquele hospital badalado de rico. Já tínhamos feito outros exames lá, de RaioX e Ecocardiograma, e sempre fomos muito bem tratados, sempre estava vazio e certa feita a médica do Eco até adiantou o nosso horário pois estávamos adiantados.

Sei que entramos, eu e Matias, pra coleta. Veio uma funcionária (e nesse ponto não sei quem é enfermeira, auxiliar, coletora). Ela pediu pra deixar ele deitado e me explicou como ia ser feito o procedimento. Nessa hora ela viu a cicatriz do Matias, porque eu queria saber se ia ser preciso (ou se seria mais fácil pra ela) se ele estivesse sem a blusa. Aí ela perguntou se ele tinha feito cirurgia, e eu respondi afirmativamente. Até aí tudo ok.

Eis que chega uma segunda pessoa pra ajudar. Aí elas começam a segurar ele, coisa e tal, e prontamente aquela funcionária número um vira pra outra e fala "ele já fez cirurgia cardíaca, já sabe o que é isso'.

Respira.

Chega terceira pessoa. Segura as pernas dele, enquanto a segunda segura o braço em questão e a primeira colhe efetivamente o sangue. Acaba processo. Ok, Obrigada, vou saindo com ele no braço, e funcionária número dois fofoca pra número três "ele já fez cirurgia cardíaca, tadinho".

Aí eu não aguentei. Essa informação não tinha nenhuma relevância pro atendimento, muito menos na hora em que já tinha tudo acabado. O que essas pessoas têm na cabeça? Não sabem que esse tipo de comentário é FODA pra uma mãe que convive diariamente com a dor de ter um filho cardiopata? E essa fortuna que as pessoas pagam pra usar esse lugar, será que não paga um treinamento pros funcionários terem um mínimo de educação e bom senso ao antenderem pessoas que obviamente estão em situação delicada?

Escrevi pra lá. Desci a lenha. Não é possível uma coisa dessas. Aí dois dias depois a supervisora me ligou pra pedir desculpas. Disse que não foi a intenção. Expliquei tudo dois mais dois e pedi que por favor fosse repensado aí esse atendimento.

O mais triste é que sei que só me responderam porque foi nesse lugar caro. Imagino num hospital público o que é que você não tem que escutar e não tem nem com quem reclamar.

Minha sugestão? Reclame assim mesmo. Talvez seja preciso explicar dois mais dois também, desenhar uma situação ideal de respeito ao paciente e familiares. Mas não se pode guardar esse tipo de coisa, já tem sofrimento demais do lado de dentro da gente.

Isso porque eu nem comecei ainda a contar os horrores da época da internação.

Ufa.

19/09/2010

da fé

Nunca fui uma pessoa de muita fé. Acho que isso é por conta do colégio de freiras em que estudei muito mais tempo do que deveria ter estudado. Eram tantos dogmas inúteis e regras sem sentido, e Deus só ia gostar de mim se eu me comportasse e fosse do jeito que elas queriam, como assim né.

Além disso era difícil ser uma pessoa de classe média baixa num colégio de classe média alta. Fui muito escanteada e mal tratada. Tá certo que isso não tem rigorosamente nada a ver com a religião católica em si, mas na minha cabeça de criança/pré-adolescente ficou tudo misturado.

Pra você ver como o negócio era sério, um amigo que estudou na mesma escola que eu diz até hoje que quando encontra uma freira na calçada atravessa a rua. Então tem alguma coisa aí, né, não sou só eu.

Ao mesmo tempo eu sempre achei que a fé é uma coisa necessária a vida. Nas minhas crises depressivas, que até hoje me assombram, tive certeza, em todas elas, que se eu acreditasse em alguma coisa seria mais fácil ir em frente. E aí não tô falando só de religião não, acho que cabe a cada um achar os seus próprios caminhos pra ficar bem. Mas justamente nessa época era "bonito" dizer que não acreditava em nada, toda uma arrogância intelectualóide que a gente tem em algumas fases da vida. Só depois de muito tempo comecei de novo a procurar alguma filosofia (vamos chamar assim) que fizesse sentido.

E coincidentemente (ou não), ela veio justo durante a gravidez do Matias. Que não foi uma gravidez emocionalmente fácil, então acho que não foi coincidência mesmo, foi um certo desespero, um pedido de ajuda (isso porque nem sabia que estava tendo uma gravidez de risco, né). Não quero aqui nomear nada, porque não é sobre a coisa em si que quero falar, mas era preciso que fosse uma linha de pensamento mais receptiva aos erros e bobagens que a gente faz pela vida. Porque eu realmente não consigo entender como as pessoas querem que a gente acredite num Deus que deixa de gostar de uma criança de dez anos de idade só porque ela, sei lá, num foi na missa no domingo. Não quero dizer com isso que todo mundo pode sair fazendo merda pelo meio do mundo, mas sim que a gente faz merda eventualmente, por milhares de motivos, alguns deles a gente só vai entender depois, mas na minha cabeça, sinceramente, não é possível que essa divindade não entenda isso também.

Acho invejável quem consegue passar por esse tipo de coisa colocando tudo na mão de Deus, sabe? Vai ver que eu ainda tenho muito resquício daquela arrogância intelectualóide pra viver assim. Mas eu posso dizer sim, que ter fé me ajudou, e tem me ajudado, a passar por esse momento obscuro da minha vida. Talvez eu nem tenha escolha, mesmo, mas eu tenho que ter fé na vida do meu filho. E eu tenho.

16/09/2010

montanha russa

Achei que ia ser mais fácil manter esse blog.

Quando a gente estava no hospital todo mundo sempre falava que eu tinha que ficar bem pra quando ele precisasse de mim. Pra quando ele viesse pro peito, pra quando ele chegasse em casa. E eu sempre respondia que é claaaaro que eu vou estar bem quando ele estiver bem, como não.

Mas não. Num tô dizendo com isso que eu prefiro a época do hospital nem nada disso, longe de mim. É genial vê-lo bem, crescendo, se desenvolvendo. Mas ao mesmo tempo é assustador saber que essa situação atual é provisória (pro bem ou pro mal, nem isso sabemos) e que de uma hora pra outra todo aquele pesadelo pode muito bem começar de novo.

Viver na sombra desse medo é muito assustador. Eu tenho tentado ficar calma e bem, porque sei que como eu me sinto acaba, de alguma maneira, influenciando o bem estar dele. Mas não saber o dia de amanhã me dá um desespero muito angustiante. E sim, eu sei que no fundo ninguém sabe o dia de amanhã. Nem eu, nem você, nem ninguém. Sei que mãe em geral é mesmo assim meio neurótica. Sei de tudo isso. Mas veja bem, meu filho tem um problema no coração. Até falar isso é assustador.

Ando pesquisando muito sobre grupos de apoio na internet. Tem muita gente falando sobre isso, até. Pesquiso porque quero saber qual a melhor forma de levar essa experiência pra ajudar alguém. Mas ao mesmo tempo, agora, ler histórias, parecidas ou não, ainda mexem tanto comigo. Ainda me deixam assustada de um jeito que não é saudável. Então volto a dizer, não sei se é hora ainda de ajudar ninguém. Não que eu não queira, mas eu não consigo, ainda.

Ainda.

15/08/2010

continuando o assunto

A Andrea fez um comentário no post anterior que eu acho que faz com que ele mereça um adendo.

Porque tem mais essa complicação, às vezes a sua felicidade fica escancarada na cara de uma pessoa que tá sofrendo pra cacete pelo mesmo motivo.

Novamente, eu estive dos dois lados. Como mãe de UTI, eu assumo, isso do fundo do coração, que no extremo da minha dor eu odiei todos os bebês saudáveis desse mundo e que porra a impossibilidade de viver isso.

Ao mesmo tempo teve essa outra situação, quando o Matias melhorou e foi pra casa, e eu tive que ligar pras outras mães que continuavam lá ou que tinham perdido seus filhos. E eu sabia que elas iam perguntar pelo Matias e eu ia estar ali do outro lado, com um bebê que está, sim, ficando bem, que está em casa comigo como eu sei que era tudo o que elas queriam que os filhos delas estivessem.

E aí, né? Como é que você vai lidar com isso?

Cara, é a Vida, assim com vê maiúsculo. E eu sei que elas sentiram isso, que elas ficaram com esse "ódio", que obviamente não é ódio, é simplesmente um desejo muito natural de que as coisas tivessem dado certo pra elas também. Dá pra entender isso, não dá? Mas eu sei também que elas queriam genuinamente o bem do Matias, porque foi isso que eu senti quando os filhos das minhas amigas grávidas nasceram saudáveis. Como eu quero que nunca mais nenhum bebê tenha que entrar na UTI nessa galáxia. Eu não podia esconder que ele estava bem. Cada um tem a sua vida e a sua própria história e no fundo a gente sabe disso. Mesmo que a gente não consiga enxergar de vez em quando, por causa da dor ser tão grande, de uma enormidade que você nem sabia existir.

Eu ia no shopping ao lado do hospital almoçar e chorava com cada menino que eu via. E ficava revoltada, e isso faz parte do processo de aceitar a situação, eu acho. Como sempre, na minha opinião, o melhor é encarar a situação. Pior é ficar essa lacuna do sumiço do amigo, as coisas não ditas.

Se eu consigo aguentar a minha dor, eu consigo aguentar a sua felicidade. Pode ficar tranquila. E eu prometo que assim que for humanamente possível, eu vou ficar feliz por você. Tenha certeza disso.

14/08/2010

sobre a amizade

Eu vou pegar ali o finzinho do outro post, sobre como é preciso que a gente se doe sem limitações, pra falar de uma coisa que me inquieta desde o começo dessa história.

Eu queria falar sobre como eu acho que eu você e todos nós podemos ajudar uma pessoa amiga que esteja em situação difícil. É óbvio que eu vou falar do que eu vivi, mas aí você faz as suas próprias adaptações.

Teve de tudo, sabe? Teve gente que eu nem conhecia que me deu a maior força. Teve amigo do amigo que subiu o morro da conceição pelo Matias. Teve um monte de gente que ligou uma vez e prometeu mil visitas e nunca apareceu. E teve também quem era muito próximo, até melhor amiga que sumiu de um jeito que é até assustador.

Eu sei que é difícil. Eu sei que você não quer nem saber que existe um sofrimento desse porte. Eu sei que você não sabe o que dizer (muita gente me disse isso "não te liguei porque não sabia o que dizer"). Eu sei que você vai sofrer muito também, mas acredite, a sua dor não vai ser maior do que a minha.

E olha, eu passei por isso também. Quando o Matias saiu do hospital, tinha outros bebês que estavam muito mal. Sim, porque isso foi uma coisa muito difícil, o meu filho tava melhorando, mamando e até saiu da UTI e outros bebês por quem eu tinha desenvolvido todo um amor, todo um carinho de assistir a luta emocionante deles pela vida, eles tavam piorando.

E sabe o que aconteceu, eu relutei, depois, quando estávamos em casa, a ligar pra essas mães e perguntar como elas e as crianças estavam. Eu tive medo. Medo de saber que o bebê tinha piorado. Eu tinha medo de sofer. Mas aí eu me dei conta, essa mãe tá sofrendo muito, e com certeza precisa de ajuda. E dito e feito. Engoli meus medos e meus traumas (afinal eu tinha acabado de passar por situações MUITO difíceis e o que eu menos queria era ouvir falar daquele hospital) e liguei. E sabe qual foi a primeira coisa que uma das mães me disse? "Brigada por não ter me esquecido". Sabe o que isso significa? Que a pior coisa nesses momentos é se sentir sozinha. Abandonada. Porque porra, ninguém sabe em que merda você tá, mas gente, no desespero, a única coisa que você pode fazer é estar lá. Segurar a mão. Não precisa dizer nada.

Mas se mesmo assim você quer dizer, eu vou te ajudar. Primeiro, não trate a pessoa como idiota. Não diga que está tudo bem se não estiver. Mas olha, depois de muito pensar, eu descobri que a única coisa que uma mãe pode fazer num caso desses é acreditar. Sabe essa coisa que todo mundo diz de que você tem que se preparar pro pior? Pois, isso não existe. Ninguém se prepara pro pior, você pode até pensar pra cacete no pior, mas ninguém, nunca, eu aposto, está preparada pra ver o seu filho passar por uma dessas. Então pode estimular a pessoa a acreditar. A ter fé. Porque isso é um fato, ninguém nunca sabe o que pode acontecer. Em determinado momento meu filho tinha a possibilidade de passar seis meses internado, e hoje ele tem três e tá aqui comigo, mamando no peito e usando fralda de pano como eu queria antes de saber da cardiopatia. E a fé de uma mãe pode salvar a vida do pequeno. Pode fazer essa mãe ficar mais com o filho dela, tocar mais nele, falar mais com ele e fazer com que ele se sinta amado e tenha força para querer ficar vivo.

Não é fácil, né. Eu sei que não é fácil, eu já estive dos dois lados. E eu sei que a gente só faz o que a gente pode. Então é isso que eu posso te dizer, baseada na minha própria experiência. É foda, mas é importante. Acredite, faz diferença. Então que tal engolir você também seus medos e ir dar um abraço na sua amiga? Ainda dá tempo.

Eu garanto que se a pessoa não quiser falar (com você), ela não vai atender ao telefone. Se você não consegue suportar a dor imensa dessa rejeição, mande um email. Uma mensagem, que seja.

Eu peço desculpas se esse post pareceu rancoroso. Eu juro que não tô com raiva de ninguém, eu sinceramente tenho muito mais com o que me preocupar. Mas eu peço pra todo mundo que só apareceu agora que ele tá fofo, bochechudo e sorridente no facebook, que não desapareça se por um acaso (e que fique bem claro que tudo o que eu peço dessa vida é que isso não aconteça nunca mais) eu voltar a estar numa situação daquelas em que eu não conseguia ter forças nem pra falar. Não é bonito de se ver, mas é o que eu vivi. E o que eu acho que me deixa um pouco indignada é que nessa altura do campeonato gente como eu, da minha idade, não tenha maturidade ou empatia suficientes pra encarar uma situação dessas e ajudar uma pessoa que está precisando.

10/08/2010

dos porquês

É inévitável, nessas situações, a pessoa ficar se perguntando o clássico "porquê", né. Por que diabos nessa vida isso tá acontecendo comigo. O que foi que eu fiz pra merecer isso? Não que eu acredite que a vida funciona nesse nível de determinismo, que as coisas ruins acontecem como formas de castigo ou nada disso. Mas no desespero, você pensa de tudo.

Dia desses eu tava muito revoltada. Revoltada com a situação mesmo, de ter um filho cardiopata, de ele ter que sofrer e passar por tudo isso que ele passou, caceta, ele é só um bebêzinho. Revolta com a minha situação, de ficar todo dia o dia todo olhando o menino respirar e com muito, muito, mas muito mesmo medo, pânico de ser hoje o dia em que vai dar uma merda. O dia que a gente vai voltar pro hospital. De ter que conviver com esse medo pro resto da minha vida e de nunca mais conseguir ser feliz, nem por um dia.

Aí uma amiga falou que eu não devia pensar assim, que eu devia era agradecer por ele estar nos meus braços. Eu concordo, até. E agradeço. Agradeço todo dia, a tudo e a todos, a deus, ao mundo, à vida. Ao Matias. Mas quando você lida com esse tipo de coisa todo dia, não dá pra se sentir só de uma maneira. Não dá pra ficar só agradecida e feliz. Você sente de tudo. Você fica com raiva, com medo, feliz, triste, muito triste, ansiosa, acuada, angustiada, calma (quando ele precisa da minha calma), e revoltada também.

E às vezes eu penso que isso tá acontecendo comigo porque eu aguento. Por mais que eu ache que eu não consigo, ali nas horas de desespero, tudo o que eu fiz esses últimos três meses me mostram que, porra, eu faço tudo por esse menino. Ele tá em aleitamento materno exclusivo mesmo com cardiopatia e um mês e meio no hospital, e olha que pra conseguir manter a produção de leite eu passava quarenta minutos a cada três horas, todos os dias, na salinha de ordenha do hospital com uma máquina sugando o meu leite e chorando muito, muito mesmo, porque não era ele que tava ali. Eu passei todo aquele tempo passando o dia inteiro no hospital, que ao contrário do que seria óbvio NÃO TEM um lugar para a mãe ficar, o máximo que você consegue é uma cadeirinha emprestada pra sentar ali ao lado do leito, mas em boa parte do tempo você tem que ficar em pé. Eu cantei pra ele quando ele tava sedado e entubado. Eu faço massagem todo dia pra fortalecer, acalmar e fazer com que ele se sinta ainda mais amado e tocado. E eu sei, eu vi, que não é todo mundo que aguenta isso. Não é pra qualquer um, mesmo sendo mãe.

Então é isso. Eu vou fazer tudo o que o meu filho precisar. Sempre e em qualquer situação. Porque é isso que é amor, é fazer o que for preciso pro outro, se doar, se dar inteirinha e sem restrições, seja lá o que aconteça.

[quero muito agradecer todo o carinho de todas essas novas pessoas que estão acompanhando a nossa luta. isso é muito importante e faz muita diferença, toda essa força que vocês nos mandam, tenham a certeza. muito obrigada de todos nós]

07/08/2010

desabafo

acho que ter filho com problema sério de saúde é uma das coisas mais difíceis dessa vida.

Eu tento muito ser forte, cara, todo dia.

Mas às vezes eu não consigo.

03/08/2010

sobre o título

Acho que o parto do Matias foi o domiciliar mais famoso depois do da Gisele Bünchen.

Infelizmente, né, porque se ele não tivesse nenhum problema de saúde o bafafá ia ser bem menor.

Tem uma outra tristeza egoísta aí pra mim, porque eu queria ter curtido o meu parto. Quem me viu ou falou comigo logo depois dele nascer, antes de irmos pro hospital, sabe que eu nunca fui tão feliz. Eu tinha acabado de conseguir fazer uma coisa que eu passei oito anos, desde a cesárea da Júlia, achando não ser capaz. E tinha sido lindo. Mas eu não vou entrar na defesa do parto natural agora. Claro que foi, e ainda é, muito importante pra mim ter parido o Matias. Mas o "meu assunto" agora não é mais esse, apesar de que não dá pra desligar uma coisa da outra.

Esse post era pra explicar que o título do blog é o que é porque o Matias ficou conhecido aqui em São Paulo como "o menino que nasceu em casa". As pessoas do hospital iam lá na UTI neonatal pra vê-lo. Teve até gente que já chegou na UTI conhecendo o caso dele. A comunidade médica ficou em alerta, e eu acho que sobre isso nem posso dar mais detalhes, porque me abstive, propositalmente, de saber dessas intrigas de CRM. Convenhamos que eu já tinha preocupações suficientes.

Vou te dizer que não foi fácil levar uma criança nascida de parto domiciliar pro hospital. Foi impossível fazer as pessoas entenderem que o que ele tinha não era por causa do parto. Não tinha nada a ver com o parto. Que na hora que ele nasceu ele tava ótimo, maravilhoso. E mesmo depois, depois de cateterismo, cirugia, uma semana antes de a gente sair do hospital fulaninha ainda tava procurando culpar o parto - e me culpar, consequentemente, como se mãe precisasse de mais culpa - por cada pequena e grande dificuldade que ele tinha.

Olha, se eu soubesse que ele tinha essa cardiopatia, nunca ia poder parir em casa, como foi. Muito provavelmente ele ia ser arrancado da minha barriga direto pra sala de cirurgia. Mas eu acredito muito que o nosso parto, do jeito que foi, e a noite que a gente passou junto, quando ele mamou, fez cocô, golfou e foi muito muito muito amado, tudo isso deu força pra ele passar por tudo o que teve que passar depois. Tenho certeza que essa experiência que ele teve lá no comecinho da vida é uma das coisas que tá fazendo ele superar o que os médicos achavam insuperável.

Claro que esse assunto continua. Aliás, tudo o que eu penso pra escrever aqui tá interligado e confuso dentro de mim. O jeito, agora, é ir vomitando os assuntos em cima de vocês do jeito que eu consigo. Se você não entender nada, acredite, é porque tá difícil de entender pra mim também.

24/07/2010

pra começar a conversa

Matias nasceu no dia dois de maio.

Era um domingo, e foi um parto domiciliar maravilhoso. Apesar de já estar com contrações há dois dias, quando o negócio apertou acabou sendo tudo super rápido, e em uma tarde eu já estava com ele nos braços. Ele nasceu na banheira, que quase não deu tempo de encher, foi só pra ele nascer mesmo, quando eu entrei já estava no expulsivo.

No dia seguinte, tivemos que levá-lo ao hospital. Descobrimos que ele tem uma malformação cardíaca que, por algum motivo, não tinha aparecido nos exames de pré-natal. Pra encurtar bastante a história, conseguimos voltar pra casa depois de um mês e meio, um cateterismo, uma cirurgia e quatro falhas de extubação.

Mas na verdade foi muito mais do que isso. Teve muita dor, muita raiva, muita revolta. Muito preconceito com o parto domiciliar. Muito medo. Muitas lágrimas. Mas teve também muito amor. Muita fé, muita ajuda, muitos amigos. Muito aprendizado. Foi, e ainda está sendo, tudo de muito na vida dele e na nossa também.

Quando ele saiu do hospital, tínhamos a previsão de fazer mais duas cirurgias ainda na primeira infância. Hoje, ele está bem. O coração está se desenvolvendo bem, mas ainda não sabemos a programação das cirurgias, vai tudo depender de como ele fica. A parte boa é que as perspectivas hoje já são bem melhores do que na época da alta hospitalar, e que toda essa luta dele pela vida tem sido recompensada com uma evolução muito promissora.

Três motivos muito fortes me levaram a querer contar essa história. O primeiro é um pouco egoísta, mas eu preciso colocar isso tudo pra fora como um jeito de tentar entender um pouco tudo o que aconteceu, o que está acontecendo. Mesmo que eu não consiga entender os porquês, se me ajudar a organizar o juízo, já tá valendo muito.

O segundo motivo é pra eventualmente ajudar, com essa minha experiência, mães em situações difíceis. Eu aprendi com as mães da UTI que compartilhar essa dor com quem sabe o que você tá sentindo ajuda muito. Fez com que eu me sentisse menos sozinha. E, consequentemente, mais forte pra enfrentar essa luta.

Por fim, esse blog é, acima de tudo, para agradecer as pessoas que estão do meu lado nessa hora. Uma amiga disse que Matias veio pra renovar na fé e na confiança no amor. E eu acho que é isso mesmo. Isso não tá acontecendo só comigo, essa história é muito maior do que eu, do que o Fernando. Tem tanta gente envolvida torcendo, rezando, cada um do seu jeito, reforçando essa coisa tão importante na vida da gente que é o vínculo com o outro. E eu tenho certeza que é isso, esse amor, acho que não tem outra palavra, que salva vidas. Que tá salvando a vida dele. Esse blog é dedicado a vocês. Muito obrigada.

[É dedicado também ao meu pequenininho e a Júlia, que me deram a honra de ser escolhida pra ser mãe deles, pra viver essa vida junto deles e pra gente se ajudar e ser feliz. Juntos.]