15/08/2010

continuando o assunto

A Andrea fez um comentário no post anterior que eu acho que faz com que ele mereça um adendo.

Porque tem mais essa complicação, às vezes a sua felicidade fica escancarada na cara de uma pessoa que tá sofrendo pra cacete pelo mesmo motivo.

Novamente, eu estive dos dois lados. Como mãe de UTI, eu assumo, isso do fundo do coração, que no extremo da minha dor eu odiei todos os bebês saudáveis desse mundo e que porra a impossibilidade de viver isso.

Ao mesmo tempo teve essa outra situação, quando o Matias melhorou e foi pra casa, e eu tive que ligar pras outras mães que continuavam lá ou que tinham perdido seus filhos. E eu sabia que elas iam perguntar pelo Matias e eu ia estar ali do outro lado, com um bebê que está, sim, ficando bem, que está em casa comigo como eu sei que era tudo o que elas queriam que os filhos delas estivessem.

E aí, né? Como é que você vai lidar com isso?

Cara, é a Vida, assim com vê maiúsculo. E eu sei que elas sentiram isso, que elas ficaram com esse "ódio", que obviamente não é ódio, é simplesmente um desejo muito natural de que as coisas tivessem dado certo pra elas também. Dá pra entender isso, não dá? Mas eu sei também que elas queriam genuinamente o bem do Matias, porque foi isso que eu senti quando os filhos das minhas amigas grávidas nasceram saudáveis. Como eu quero que nunca mais nenhum bebê tenha que entrar na UTI nessa galáxia. Eu não podia esconder que ele estava bem. Cada um tem a sua vida e a sua própria história e no fundo a gente sabe disso. Mesmo que a gente não consiga enxergar de vez em quando, por causa da dor ser tão grande, de uma enormidade que você nem sabia existir.

Eu ia no shopping ao lado do hospital almoçar e chorava com cada menino que eu via. E ficava revoltada, e isso faz parte do processo de aceitar a situação, eu acho. Como sempre, na minha opinião, o melhor é encarar a situação. Pior é ficar essa lacuna do sumiço do amigo, as coisas não ditas.

Se eu consigo aguentar a minha dor, eu consigo aguentar a sua felicidade. Pode ficar tranquila. E eu prometo que assim que for humanamente possível, eu vou ficar feliz por você. Tenha certeza disso.

14/08/2010

sobre a amizade

Eu vou pegar ali o finzinho do outro post, sobre como é preciso que a gente se doe sem limitações, pra falar de uma coisa que me inquieta desde o começo dessa história.

Eu queria falar sobre como eu acho que eu você e todos nós podemos ajudar uma pessoa amiga que esteja em situação difícil. É óbvio que eu vou falar do que eu vivi, mas aí você faz as suas próprias adaptações.

Teve de tudo, sabe? Teve gente que eu nem conhecia que me deu a maior força. Teve amigo do amigo que subiu o morro da conceição pelo Matias. Teve um monte de gente que ligou uma vez e prometeu mil visitas e nunca apareceu. E teve também quem era muito próximo, até melhor amiga que sumiu de um jeito que é até assustador.

Eu sei que é difícil. Eu sei que você não quer nem saber que existe um sofrimento desse porte. Eu sei que você não sabe o que dizer (muita gente me disse isso "não te liguei porque não sabia o que dizer"). Eu sei que você vai sofrer muito também, mas acredite, a sua dor não vai ser maior do que a minha.

E olha, eu passei por isso também. Quando o Matias saiu do hospital, tinha outros bebês que estavam muito mal. Sim, porque isso foi uma coisa muito difícil, o meu filho tava melhorando, mamando e até saiu da UTI e outros bebês por quem eu tinha desenvolvido todo um amor, todo um carinho de assistir a luta emocionante deles pela vida, eles tavam piorando.

E sabe o que aconteceu, eu relutei, depois, quando estávamos em casa, a ligar pra essas mães e perguntar como elas e as crianças estavam. Eu tive medo. Medo de saber que o bebê tinha piorado. Eu tinha medo de sofer. Mas aí eu me dei conta, essa mãe tá sofrendo muito, e com certeza precisa de ajuda. E dito e feito. Engoli meus medos e meus traumas (afinal eu tinha acabado de passar por situações MUITO difíceis e o que eu menos queria era ouvir falar daquele hospital) e liguei. E sabe qual foi a primeira coisa que uma das mães me disse? "Brigada por não ter me esquecido". Sabe o que isso significa? Que a pior coisa nesses momentos é se sentir sozinha. Abandonada. Porque porra, ninguém sabe em que merda você tá, mas gente, no desespero, a única coisa que você pode fazer é estar lá. Segurar a mão. Não precisa dizer nada.

Mas se mesmo assim você quer dizer, eu vou te ajudar. Primeiro, não trate a pessoa como idiota. Não diga que está tudo bem se não estiver. Mas olha, depois de muito pensar, eu descobri que a única coisa que uma mãe pode fazer num caso desses é acreditar. Sabe essa coisa que todo mundo diz de que você tem que se preparar pro pior? Pois, isso não existe. Ninguém se prepara pro pior, você pode até pensar pra cacete no pior, mas ninguém, nunca, eu aposto, está preparada pra ver o seu filho passar por uma dessas. Então pode estimular a pessoa a acreditar. A ter fé. Porque isso é um fato, ninguém nunca sabe o que pode acontecer. Em determinado momento meu filho tinha a possibilidade de passar seis meses internado, e hoje ele tem três e tá aqui comigo, mamando no peito e usando fralda de pano como eu queria antes de saber da cardiopatia. E a fé de uma mãe pode salvar a vida do pequeno. Pode fazer essa mãe ficar mais com o filho dela, tocar mais nele, falar mais com ele e fazer com que ele se sinta amado e tenha força para querer ficar vivo.

Não é fácil, né. Eu sei que não é fácil, eu já estive dos dois lados. E eu sei que a gente só faz o que a gente pode. Então é isso que eu posso te dizer, baseada na minha própria experiência. É foda, mas é importante. Acredite, faz diferença. Então que tal engolir você também seus medos e ir dar um abraço na sua amiga? Ainda dá tempo.

Eu garanto que se a pessoa não quiser falar (com você), ela não vai atender ao telefone. Se você não consegue suportar a dor imensa dessa rejeição, mande um email. Uma mensagem, que seja.

Eu peço desculpas se esse post pareceu rancoroso. Eu juro que não tô com raiva de ninguém, eu sinceramente tenho muito mais com o que me preocupar. Mas eu peço pra todo mundo que só apareceu agora que ele tá fofo, bochechudo e sorridente no facebook, que não desapareça se por um acaso (e que fique bem claro que tudo o que eu peço dessa vida é que isso não aconteça nunca mais) eu voltar a estar numa situação daquelas em que eu não conseguia ter forças nem pra falar. Não é bonito de se ver, mas é o que eu vivi. E o que eu acho que me deixa um pouco indignada é que nessa altura do campeonato gente como eu, da minha idade, não tenha maturidade ou empatia suficientes pra encarar uma situação dessas e ajudar uma pessoa que está precisando.

10/08/2010

dos porquês

É inévitável, nessas situações, a pessoa ficar se perguntando o clássico "porquê", né. Por que diabos nessa vida isso tá acontecendo comigo. O que foi que eu fiz pra merecer isso? Não que eu acredite que a vida funciona nesse nível de determinismo, que as coisas ruins acontecem como formas de castigo ou nada disso. Mas no desespero, você pensa de tudo.

Dia desses eu tava muito revoltada. Revoltada com a situação mesmo, de ter um filho cardiopata, de ele ter que sofrer e passar por tudo isso que ele passou, caceta, ele é só um bebêzinho. Revolta com a minha situação, de ficar todo dia o dia todo olhando o menino respirar e com muito, muito, mas muito mesmo medo, pânico de ser hoje o dia em que vai dar uma merda. O dia que a gente vai voltar pro hospital. De ter que conviver com esse medo pro resto da minha vida e de nunca mais conseguir ser feliz, nem por um dia.

Aí uma amiga falou que eu não devia pensar assim, que eu devia era agradecer por ele estar nos meus braços. Eu concordo, até. E agradeço. Agradeço todo dia, a tudo e a todos, a deus, ao mundo, à vida. Ao Matias. Mas quando você lida com esse tipo de coisa todo dia, não dá pra se sentir só de uma maneira. Não dá pra ficar só agradecida e feliz. Você sente de tudo. Você fica com raiva, com medo, feliz, triste, muito triste, ansiosa, acuada, angustiada, calma (quando ele precisa da minha calma), e revoltada também.

E às vezes eu penso que isso tá acontecendo comigo porque eu aguento. Por mais que eu ache que eu não consigo, ali nas horas de desespero, tudo o que eu fiz esses últimos três meses me mostram que, porra, eu faço tudo por esse menino. Ele tá em aleitamento materno exclusivo mesmo com cardiopatia e um mês e meio no hospital, e olha que pra conseguir manter a produção de leite eu passava quarenta minutos a cada três horas, todos os dias, na salinha de ordenha do hospital com uma máquina sugando o meu leite e chorando muito, muito mesmo, porque não era ele que tava ali. Eu passei todo aquele tempo passando o dia inteiro no hospital, que ao contrário do que seria óbvio NÃO TEM um lugar para a mãe ficar, o máximo que você consegue é uma cadeirinha emprestada pra sentar ali ao lado do leito, mas em boa parte do tempo você tem que ficar em pé. Eu cantei pra ele quando ele tava sedado e entubado. Eu faço massagem todo dia pra fortalecer, acalmar e fazer com que ele se sinta ainda mais amado e tocado. E eu sei, eu vi, que não é todo mundo que aguenta isso. Não é pra qualquer um, mesmo sendo mãe.

Então é isso. Eu vou fazer tudo o que o meu filho precisar. Sempre e em qualquer situação. Porque é isso que é amor, é fazer o que for preciso pro outro, se doar, se dar inteirinha e sem restrições, seja lá o que aconteça.

[quero muito agradecer todo o carinho de todas essas novas pessoas que estão acompanhando a nossa luta. isso é muito importante e faz muita diferença, toda essa força que vocês nos mandam, tenham a certeza. muito obrigada de todos nós]

07/08/2010

desabafo

acho que ter filho com problema sério de saúde é uma das coisas mais difíceis dessa vida.

Eu tento muito ser forte, cara, todo dia.

Mas às vezes eu não consigo.

03/08/2010

sobre o título

Acho que o parto do Matias foi o domiciliar mais famoso depois do da Gisele Bünchen.

Infelizmente, né, porque se ele não tivesse nenhum problema de saúde o bafafá ia ser bem menor.

Tem uma outra tristeza egoísta aí pra mim, porque eu queria ter curtido o meu parto. Quem me viu ou falou comigo logo depois dele nascer, antes de irmos pro hospital, sabe que eu nunca fui tão feliz. Eu tinha acabado de conseguir fazer uma coisa que eu passei oito anos, desde a cesárea da Júlia, achando não ser capaz. E tinha sido lindo. Mas eu não vou entrar na defesa do parto natural agora. Claro que foi, e ainda é, muito importante pra mim ter parido o Matias. Mas o "meu assunto" agora não é mais esse, apesar de que não dá pra desligar uma coisa da outra.

Esse post era pra explicar que o título do blog é o que é porque o Matias ficou conhecido aqui em São Paulo como "o menino que nasceu em casa". As pessoas do hospital iam lá na UTI neonatal pra vê-lo. Teve até gente que já chegou na UTI conhecendo o caso dele. A comunidade médica ficou em alerta, e eu acho que sobre isso nem posso dar mais detalhes, porque me abstive, propositalmente, de saber dessas intrigas de CRM. Convenhamos que eu já tinha preocupações suficientes.

Vou te dizer que não foi fácil levar uma criança nascida de parto domiciliar pro hospital. Foi impossível fazer as pessoas entenderem que o que ele tinha não era por causa do parto. Não tinha nada a ver com o parto. Que na hora que ele nasceu ele tava ótimo, maravilhoso. E mesmo depois, depois de cateterismo, cirugia, uma semana antes de a gente sair do hospital fulaninha ainda tava procurando culpar o parto - e me culpar, consequentemente, como se mãe precisasse de mais culpa - por cada pequena e grande dificuldade que ele tinha.

Olha, se eu soubesse que ele tinha essa cardiopatia, nunca ia poder parir em casa, como foi. Muito provavelmente ele ia ser arrancado da minha barriga direto pra sala de cirurgia. Mas eu acredito muito que o nosso parto, do jeito que foi, e a noite que a gente passou junto, quando ele mamou, fez cocô, golfou e foi muito muito muito amado, tudo isso deu força pra ele passar por tudo o que teve que passar depois. Tenho certeza que essa experiência que ele teve lá no comecinho da vida é uma das coisas que tá fazendo ele superar o que os médicos achavam insuperável.

Claro que esse assunto continua. Aliás, tudo o que eu penso pra escrever aqui tá interligado e confuso dentro de mim. O jeito, agora, é ir vomitando os assuntos em cima de vocês do jeito que eu consigo. Se você não entender nada, acredite, é porque tá difícil de entender pra mim também.